Fantasporto 2012, Dia 6 – “A Moral Conjugal” e “Juan De Los Muertos”.

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No sábado à noite, a minha escolha recaiu sobre dois filmes muito diferentes, o português “A Moral Conjugal” e o cubano “Juan De Los Muertos“. Ambos tendem a ser comédias, embora o primeiro se ambiente no terreno do film noir, e o segundo nos filmes de zombies. Ambos proporcionaram-me a noite mais divertida do festival.

A Moral Conjugal” é o segundo filme do realizador e argumentista Artur Serra Araújo, depois do divertido “Suicídio Encomendado“, vencedor do prémio especial do júri da semana dos realizadores no Fantasporto 2007. Apesar de este ser também um filme divertido cujas voltas da narrativa se revelam eficazes, contém fragilidades na realização comprometedoras do resultado final. São José Correia é Manuela, uma delegada de propaganda médica que sai num primeiro encontro com um médico, Dinarte Branco, cuja vida afectiva sempre correu mal. Após o encontro, que teve um desfecho inesperado, ela volta para o apartamento que divide com o namorado terrorista, interpretado por José Wallenstein, enquanto a sua irmã que está de visita, interpretada por Catarina Wallenstein, a vai ajudar a esconder os vestígios do encontro.

A nível de enquadramentos e composição das cenas tornam-se evidentes as falhas na realização, quando percebemos que temos curiosidade em ver o que se passa para lá da imagem e não há razão nenhuma para não nos ser mostrado. Mais do que isso, há uma solenidade imposta nas cenas iniciais completamente despropositada. E se podemos apontar à partida o dedo aos actores Dinarte Branco e Maria João Bastos, torna-se claro que a principal razão são os diálogos pouco naturais do argumento. Se é compreensível que algumas coisas tem de ser ditas, por muito inusitadas que sejam, nota-se que não houve uma tentativa de o fazer de forma o mais natural possível. A estranheza, só por si, não é particularmente interessante.

No entanto, quando nos acostumamos a estas fragilidades acabamos por apreciar aquilo que o filme tem de melhor: uma colecção de situações imprevisíveis e com alguma tensão e comicidade, servida por um trio de protagonista com grande intimidade e à vontade para servir as personagens com um desconforto e tensão bastante verosímeis. “A Moral Conjugal”, por todos os elementos de film noir que o compõem, poderia ser um filme importante na remodelação narrativa há tanto tempo prometida e necessária ao Cinema Português. Fica-se pelas boas intenções e resulta num filme simpático, mas mais ambicioso que consequente.

Classificação: 2.5/5

(“A Moral Conjugal” ainda não tem trailer disponível)

O filme da noite, e um dos filmes do festival, foi o cubano “Juan De Los Muertos“, deliciosa paródia social e politica aos filmes de zombies num género que conquista sempre os fãs do festival: a comédia de horror. O segundo filme de Alejandro Brugués foi apresentado no festival por Jazz Vilá que compõe a mais divertida personagem do filme: La China.

A estória é simples: quando os zombies invadem cuba e começam a transformar a população, o desenrascado Juan (espantoso Alexis Díaz de Villegas) vê aqui uma oportunidade de negócio, um serviço que oferece aos clientes a eliminação dos seus entes queridos transformados. Quando não sobram mais clientes e fica difícil para Juan e companhia sobreviverem, eles vão ter de tomar uma decisão: abandonar a ilha ou ficar e lutar até ao fim.

Tudo no filme funciona, desde os efeitos especiais e de caracterização intencionalmente toscos, a situação politica e social de cuba e a sua relação com o exterior (principalmente os Estados Unidos), e um humor caustico e certeiro, tudo temperado com uma honestidade cativante.

A realização é muito segura, com Brugués a dosear habilmente os momentos de tensão e humor, gerindo na perfeição um inspirado argumento que consegue dar um toque de originalidade a todos os clichés do género. Claro que ter Cuba como matéria prima ajuda muito, mas também não seria difícil estragar o resultado final.

As interpretações são todas convincentes e cumprem aquilo que lhes é pedido: algum nonsense, muito humor e honestidade, com destaque para os já referidos Vilá e Villegas. Quer seja num momento calmo ou na mais violenta luta, há sempre alguém que dispara a tirada ou golpe certo que leva a plateia ao rubro.

O resto da equipa técnica está à altura desta revolução cubana no cinema. Carles Gusi na fotografia, Mercedes Cantero na montagem, Derubín Jácome na direcção artística e uma excelente equipa de caracterização dão uma consistência à narrativa que não é comum em filmografias de países menos desenvolvidos.

Resumindo, “Juan De Los Muertos” é uma lufada de ar fresco num sub-género que começa a ficar saturado, um filme acima de tudo divertido e sincero, consciente das suas limitações e capaz de surpreender quem já conhece todos os clichés dos filmes de zombies. Uma aposta segura para a lista de premiados desta edição do Fantas.

Classificação: 4.5/5

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