“The Haunting Of Hill House” – A obra-prima de Mike Flanagan.

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Toda a gente que costuma ler as minhas sugestões para o Halloween sabe que sou um grande fã do Mike Flanagan desde “Oculus“, de 2013. Já falei sobre “Hush” e Before I Wakeaqui, e sobre “Gerald’s Gameaqui. A cada novo projecto, o homem vai solidificando um estilo, em todas as funções que costuma desempenhar: realizador, argumentista, produtor e montador. E são todas essas funções que ele desempenha em todos os 10 episódios da sua nova série da Netflix, “The Haunting Of Hill House“. Tendo em conta que passa exactamente um ano do lançamento de “Gerald’s Game”, este é um trabalho Hercúleo, executado na perfeição e que resulta num produto absolutamente genial.

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Um casal muda-se com os seus cinco filhos para uma casa que acabou de comprar, com o intuito de a remodelar e vender para poderem comprar a casa dos seus sonhos. Mas a casa temporária esconde fantasmas e segredos e estranhos acontecimentos vão mudar  irremediávelmente as suas vidas. Anos mais tarde, um novo acontecimento vai reabrir feridas e impeli-los a confrontar as suas memórias, os seus medos e a própria casa.

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Formal e narrativamente, a estrutura que Flanagan delineou (baseado no livro de Shirley Jackson com o mesmo nome, publicado em 1953, e que já tinha sido adaptado duas vezes para “The Haunting” em 1963 e 1999) privilegia a estória, as personagens e as mensagens subliminares, mas, acima de tudo, leva os espectadores numa viagem fascinante e sobrenatural à complexidade das relações familiares. Os primeiros cinco episódios dedicam-se, cada um, a explorar a perspectiva que cada um dos filhos teve do acontecimento trágico da sua infância, das sequelas que lhes deixou, e de como lidam com o novo acontecimento que os põe em confronto com o passado.

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Isto, e a sua narrativa a dois tempos (a infância em Hill House e a idade adulta), fazem com que os mesmos acontecimentos do passado nos sejam mostrados de diferentes perspectivas, com novos elementos a cada visita, como peças de um puzzle que o espectador vai tentando encaixar, muito antes sequer de poder ter todas as peças e de ter ideia de onde a viagem o irá levar. Mais do que isso, os cinco irmãos personificam as cinco fases do luto, do mais velho para a mais nova. Assim sendo, Steven personifica a negação, Shirley a raiva, Theo a barganha, Luke a depressão e Nell a aceitação.

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Apesar de subliminar, este conceito descrito em 1969 pela psiquiatra suiça Elisabeth Kübler-Ross, dota as personagens de consistência e significado, dá-lhes profundidade e cria empatia (mesmo que inconsciente) estre elas e o espectador. É interessante que, no final dos primeiros cinco episódios, conhecemos e aceitamos esta família como se fosse a nossa, apesar de não conhecermos ainda o contexto dos acontecimentos a que fomos sendo expostos. Mas a viagem ainda vai a meio e a segunda metade é tão fascinante quanto a primeira. Até aqui, apenas vimos toda a família junta no passado.

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Depois vem o episódio 6, que é provavelmente um dos melhores episódios de sempre de qualquer série de televisão, quer a nível narrativo quer conceptual. Narrativamente, é quando todos os personagens se voltam a juntar, os cinco irmãos e o pai. Feridas antigas são expostas, novas são abertas, conflitos emergem, o mistério adensa-se, e tudo nos é mostrado em longos planos-sequência magistralmente executados, com pormenores que nos deixam boquiabertos, entre a inquietação da estória e a admiração da forma como somos confrontados com ela. Sempre com a narrativa a dois tempos somos levados do passado para o presente e vice-versa apenas com o magnifico trabalho de câmara e dos actores. O primeiro corte acontece apenas aos 15 minutos deste episódio e custa-nos a crer que seja mesmo o primeiro, tanto é o que já absorvemos nestes 15 minutos.

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Os quatro episódios que restam, dividem-se entre o adensar dos conflitos e a explicação do que realmente aconteceu no passado, com revelações inquietantes e, sobretudo, a admiração de que nada fica por explicar. No final, The Haunting Of hill House é hermética, densa e completa, e aquilo que deixa no espectador é um misto de tristeza e satisfação. Sim, Hill House é triste, principalmente porque amamos estas personagens e custa-nos vê-las debater-se com o tal luto que percorre toda a narrativa, mas é também confortante por nos terem deixado fazer esta viagem com elas. Este sentimento aparece até bem cedo, na primeira metade, quando ainda nem vamos a meio e já temos vontade de a rever quando a acabarmos.

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Mas voltemos a Flanagan, para podermos apreciar a genialidade com que tudo nos é entregue. Como já vos disse, sou um fã de todo o trabalho anterior dele, principalmente porque não é fácil trabalhar actualmente no género do terror. Todas as fórmulas já foram usadas, todos os truques, todos os sustos e os espectadores já reconhecem todos os sinais que lhes permitem antecipá-los. O que adoro em Flanagan é a sua consciência desse facto. Sim, Hill House é uma série passada numa casa assombrada e, como tal, existem fantasmas, aparições e inerentes sustos que convém manter, mas a forma como Flanagan o faz não só é sustentada na narrativa, como é usada de forma a não interferir na mesma.

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Como se pode ver na imagem anterior, enquanto apreciamos um momento romântico entre o pai e a mãe Crain, há um fantasma lá ao fundo junto à janela. E a grande maioria dos fantasmas está apenas lá, habitam a casa desde sempre e apenas observam a vida dos novos proprietários. Há muitos videos no youtube com compilações de imagens em que estas aparições ocorrem, e a maioria delas não nos apercebemos numa primeira visualização. Há uma razão narrativa para isto ser assim, que não vos posso explicar sem cair em spoilers, mas o resultado disto é que a partir do momento em que vemos o primeiro, passamos a ver a série com muito mais atenção. E quando nos apercemos que também as estátuas mudam a sua pose, passamos a ver ainda com mais atenção (apesar de eu ter detectado isto apenas numa cena, para já). E essa dinâmica, entre aquilo que apenas está lá e aquilo que interaje com as personagens permite a Flanagan iludir-nos e surpreendermos quando menos estamos à espera. Aliás, os maiores sustos  são parte da narrativa e nenhum tem um efeito gratuito e extemporâneo.

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A isto ajuda a magnífica produção artística, que criou a Hill House de forma a ter muitos sítios onde se possam colocar fantasmas que estão ao mesmo tempo vísiveis e escondidos, quase confundidos com o cenário. A fotografia também partilha esses mesmos louros, com focagem e movimentos que mostram apenas o suficiente sem interferir no que é essencial. Outro pormenor interessante é que todos os cenários foram criados tendo por base o episódio seis. Era necessário que houvesse comunicação entre os cenários actuais (a funerária de Shirley) e a Hill house de forma a que a câmara se pudesse movimentar de forma contínua entre passado e presente e que actores pudessem aparecer e desaparecer enquanto a câmara se movimentava.

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E falando em actores, este é um elenco verdadeiramente impressionante, dos veteranos às crianças, que carregam às costas uma narrativa densa e que o fazem com uma inocência desarmante. Carla Gugino é a mãe Olivia, Henry Thomas e Timothy Hutton são o pai Hugh (na sua versão nova e actual, respectivamente), Paxton Singleton e Michiel Huisman são Steve, Lulu Wilson e Elizabeth Reaser são Shirley, Mckenna Grace e Kate Siegel (esposa e constante colaboradora de Flanagan) são Theo, Julian Hilliard e Oliver Jackson-Cohen são Luke e Violet McGraw e Victoria Pedretti são Nell. Apesar de serem muitos, todos os actores têm o mesmo peso na estória e todos têm interpretações fabulosas, o que é imprescindível para a empatia que sentimos imediatamente com qualquer um deles.

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Haveria muito mais a dizer sobre a série, mas importa resumir dizendo que esta é uma das melhores séries de sempre (principalmente dentro do género do terror) e será uma enorme injustiça se não limpar os Emmy’s deste ano. Já se sabe que terá uma segunda temporada, mas não se sabe quando, uma vez que Flanagan está a adaptar Dr. Sleep, a sequela de “The Shinning” de Stephen King, nem se continuará com a família Crain ou se optará por contar uma estória completamente diferente. Sobre isto, falarei mais abaixo, numa parte que vai conter spoilers, a ler apenas se já tiverem visto a série. Para já, deixo-vos com o trailer e com um vídeo making-of do episódio 6.

Classificação: 5/5

Esta parte do artigo contém spoilers.

Uma das coisas com que me tenho deparado no que vou ouvindo e lendo acerca de “The Hunting Of Hill House” é nas diferentes leituras que são feitas do seu final. Se, aparentemente, tudo acaba bem, há razões que justificam que se pense o contrário, e que no final os irmãos Crain continuem no quarto vermelho. O que alimenta esta discussão, é uma das cenas finais em que estão todos à volta de Luke, a celebrar o 2º aniversário da sua sobriedade. Ora, há vários indicadores de que essa cena não é real, mas vou-me focar em dois: um que li e outro que suspeitei ao ver a cena. O que li é que a cor vermelha era indicador de interferência da casa. Há quem diga que sempre que viamos uma situação ilusória, criada pela casa, havia um elemento preponderante de cor vermelha, neste caso o bolo de aniversário, que é invulgarmente vermelho. Mas o que me despertou curiosidade ao ver a cena, foi o facto da mulher de Steven estar grávida. Ele confessou ao pai no episódio 8 que tinha feito uma vasectomia e não podia ter filhos. No episódio 10, quando Steven está no quarto vermelho, pensa que está em casa com a mulher, grávida, mas não se lembra como lá chegou. Esse é o único momento em que a vemos grávida e o facto de ela também o estar na cena final, diz-me que ainda estão aprisionados no quarto vermelho. Vi gente a dizer que as vasectomias são reversivas e que o Steve tinha voltado atrás na decisão, mas não me parece. Primeiro, pela forma como pareceu decidido. Segundo, em termos narrativos, não faria sentido colocar a cena anterior e depois esta não ter relação com ela, principalmente sendo o Mike Flanagan, um perfeccionista, a fazê-lo. Se assim fosse, teria de haver uma explicação, uma cena em que Steven parecesse arrependido e voltasse atrás na decisão. Assim sendo, estou plenamente convencido de que a casa ganhou, e ainda os têm a todos no seu estômago. Aliás, é a única forma dos personagens voltarem na segunda temporada, a luta ainda não ter acabado. E vocês, o que acham? Que percepção tiveram dessa cena e como acham que a série vai continuar?

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