Fantasporto 2013 – “Mama”, de Andrés Muschietti.

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Começou ontem oficialmente a secção de competição do Fantaporto 2013, com a exibição de “Mama“, de Andrés Muschietti, que esteve no Rivoli a apresentar o filme, com a irmã e produtora Barbara Muschietti. Baseado numa curta-metragem já exibida no festival (e que podem ver aqui, juntamente com um vídeo de testes de movimento, de que irei falar mais à frente) e com a ajuda de Guillermo Del Toro na produção (e montagem, e realização, etc.), “Mama” é um muito competente e eficaz filme de terror, que cumpriu os objectivos de entreter e assustar os espectadores que esgotaram a sessão de abertura do Fantas.

Victoria e Lilly são duas irmãs que ficam sozinhas numa casa abandonada na floresta e são resgatadas 5 anos depois por dois homens contratados pelo tio para as encontrar. Depois de algum tempo numa instituição para avaliar as capacidades fisicas e emocionais das duas crianças, são entregues ao tio e à mulher, uma baixista de uma banda rock que não quer ter filhos. Mas as crianças não estiveram sozinhas na floresta e aquilo que as protegeu e alimentou nos últimos 5 anos acompanhou-as à sua nova casa.

A curta-metragem era um excelente exercício de estilo composto por apenas uma cena filmada em plano sequência, e obviamente que aqui haveria que se construir todo o enquadramento narrativo que faltava ao original. Apesar de recorrerem a muitos clichés, o tratamento dado aos personagens é muito completo e extremamente eficaz no garante de solidez narrativa que o filme precisa para envolver o espectador e levá-lo a participar nas suas bem elaboradas e assustadoras sugestões.

E é aqui que está o maior (ou o único) problema do filme. Quando passamos da sugestão para a visualização da criatura, os efeitos CGI são comprometedores da participação do público na narrativa, pelo seu exagero e falta de credibilidade. No vídeo de que vos falei, dos testes de movimento da criatura, um actor está frente à câmara com uma máscara pouco credivel, movendo-se com a ajuda de cabos puxados por ajudantes de cena. O resultado dessas imagens é muito mais aterrador do que o resultado final em CGI presente no filme. à medida que o filme avança, vamos vendo mais da criatura, e vamos perdendo o interesse, a capacidade ou a vontade de nos assustarmos.

Felizmente, e é aqui que está a genialidade do filme, a caracterização dos personagens é tão rico que permite a Muschietti puxar da cartola o final mais corajoso de um filme desde “The Mist“, de Frank Darabont. Mesmo quando o espectador estava a desistir do filme há um twist emocional a poucos momentos do fim, que o arrasta novamente para a narrativa e o faz compreender o porquê de se ter envolvido tanto desde o inicio: os personagens.

E aqui não há falhas, todas as interpretações são extremamente convincentes e arrastam o espectador para a narrativa, tendo a capacidade de sugerir, usando muito pouco as palavras, aquilo que não vemos e aceitamos como assustadoramente real.

Jessica Chastain e Nikolaj Coster-Waldau são os nossos alter egos no ecrã, aqueles que compõem as personagens a que nos agarramos e que são o nosso contacto com a realidade, mais Chastain que Coster-Walder por uma questão de tempo de ecrã e exposição aos acontecimentos mais aterradores do filme. A nível de composição de personagem, ambos são excelentes, mas o destaque vai para ela, pela contradição da natureza da personagem com as situações a que esta é submetida, um dos factores que nos puxa para a estória desde o seu inicio.

Mas a riqueza maior do filme está nas interpretações infantis. Megan Charpentier é Victoria, a mais velha e aquela que mais muda ao longo do filme, aproximando-se dos seus guardiões e expondo o perigo a que estes estão expostos. O desabituamento das rotinas da floresta e o retorno ao convívio e envolvimento com outras pessoas é um processo lento que ancora o filme na verosimilhança, libertando-o para os momentos assustadores a que o público se entrega por empatia para com ela.

Mas o tour de force do filme é é a personagem de Lilly, interpretada por Isabelle Nélisse, a irmã mais nova que não conheceu, ou não se lembra, de outra realidade além de Mama, e que procura o seu contacto e conforto enquanto todos os outros percebem o perigo que esta representa e as tentam afastar. É nesta dualidade e na sua brilhante exploração que “Mama” é extremamente eficaz, fazendo com que o acto de coragem final de Muschietti seja também pleno de sentido e significado.

A eficácia do filme vem também da forma como o realizador encena a sugestão, permitindo num mesmo plano, encenar uma brilhante sequência em que as irmãs brincam no quarto e nós espectadores, percebemos que aquilo que não vemos não é aquilo que parece. Esse momento, que nos é dado por aquilo que se passa no corredor enquanto vemos o que se passa no quarto, provoca um arrepio de medo pela constatação conjunta da ameaça e daqueles que estão sujeitos a ela. Este exemplo repete-se ao longo do filme e é prova da competência de Muschietti, tornando-o um dos alvos da nossa atenção para o futuro.

Tudo o resto também funciona, desde a sonoplastia, que aliada à música criam verdadeiros momentos aterradores, à fotografia que joga com o espectador um jogo de percepção extremamente apelativo e envolvente. Claro que o filme, como bom filme de género que é, recorre também (e muito) aos sustos por introdução de sons abruptos e planos ou movimentos de câmara repentinos, mas acabam por funcionar, servindo de contraponto aos verdadeiros sustos presentes  nos momentos mais emocionais.

Resumindo, “Mama” é uma excelente estreia na longa-metragem de Muschietti, que embora tenha beneficiado da ajuda de Del Toro, demonstra uma grande competência na gestão de emoções, importantíssima no cinema do género. Peca pelo exagero do CGI da criatura, mas compensa com o corajoso twist final. A não perder.

Classificação: 4.5/5

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